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O vento não paraRomar Beling
romar@anuarios.com.br.
À medida que mergulhamos na literatura, vamos nos convencendo da pertinência de uma constatação: a boa obra literária jamais reproduz, afirma ou contribui para o status quo. Um livro honesto, autêntico, espelho de alma, instiga à mudança.Os grandes romances, os grandes poemas, as grandes peças teatrais, os grandes contos vêm marcados pela transgressão, pela fuga da regra, pela fobia ao mesmo, pela falta de escrúpulos com o insensível. São espaços onde, literalmente, viceja o óbvio, nesse caso tomado como a verdade.
Não há exceções a essa regra. Se houvesse, ela se anularia automaticamente, porque um livro que não propõe a mudança, que não leva o leitor a enxergar o mundo sob um prisma diferente, que não obriga o indivíduo a repensar sua trajetória e seus valores é, em síntese, um livro desnecessário. Que graça e que sentido haveria no fato de o livro dizer o já dito, afirmar o já afirmado, convencer do que já se foi convencido, numa dança suicida de mariposa em torno de uma lâmpada de chama falsa, que não aquece?
A grande literatura, que um leitor digno desse nome passa a conhecer a certa altura da vida, faz esse mesmo leitor concluir que o mundo e a própria vida só fazem sentido se a gente sabe mudar. E mudar não de fisionomia ou de fachada, solução dos hipócritas, incapazes e ignorantes; e sim de pensamento, de postura, de ponto de vista, de condição humana, signo de evolução da espécie, passando de uma atitude rasteira a uma atitude reflexiva.
A literatura da Itália, nos seus mais diversos recortes históricos, dialoga com o povo, com o velho e com o novo, e propõe uma mudança que, enfim, constituirá a pessoa que seremos. De um romance italiano pode-se dizer sempre: o indivíduo que terminou a leitura não é mais o mesmo que começou. Isto é: mudou.
E dentre as centenas de alternativas para realizar essa experiência, tome-se uma delas: o romance Vento no Olival, de Fortunato Seminara, que circula em edição da especialíssima (fora de catálogo, hoje circulando em sebos) Colecção Miniatura, da Editora Livros do Brasil, de Lisboa, Portugal. Essa série, no entorno da qual certamente se formaram sólidas gerações de bons leitores, mapeia a literatura mundial de uma maneira que se pode dizer rara. Em formato de bolso, a coleção traz à língua portuguesa algumas relíquias, e é quase imperdoável que muitas delas nunca tenham sido disponibilizadas por editoras brasileiras.
Vento no Olival é uma delas. O romance, originalmente lançado em 1951, elogia, invoca ou descreve a mudança como fermento em cada linha, a começar pelo próprio título. Para o leitor do Rio Grande do Sul, não pode passar despercebido que a grande expressão literária estadual também se apoia sobre esse viés: O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo (o eterno embate entre a permanência – o tempo – e a renovação – o vento).
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.A grande literatura, que um leitor digno desse nome passa a conhecer a certa altura da vida, faz esse mesmo leitor concluir que o mundo e a própria vida só fazem sentido se a gente sabe mudar. E mudar não de fisionomia ou de fachada, solução dos hipócritas, incapazes e ignorantes; e sim de pensamento, de postura, de ponto de vista, de condição humana, signo de evolução da espécie, passando de uma atitude rasteira a uma atitude reflexiva.
A literatura da Itália, nos seus mais diversos recortes históricos, dialoga com o povo, com o velho e com o novo, e propõe uma mudança que, enfim, constituirá a pessoa que seremos. De um romance italiano pode-se dizer sempre: o indivíduo que terminou a leitura não é mais o mesmo que começou. Isto é: mudou.
E dentre as centenas de alternativas para realizar essa experiência, tome-se uma delas: o romance Vento no Olival, de Fortunato Seminara, que circula em edição da especialíssima (fora de catálogo, hoje circulando em sebos) Colecção Miniatura, da Editora Livros do Brasil, de Lisboa, Portugal. Essa série, no entorno da qual certamente se formaram sólidas gerações de bons leitores, mapeia a literatura mundial de uma maneira que se pode dizer rara. Em formato de bolso, a coleção traz à língua portuguesa algumas relíquias, e é quase imperdoável que muitas delas nunca tenham sido disponibilizadas por editoras brasileiras.
Vento no Olival é uma delas. O romance, originalmente lançado em 1951, elogia, invoca ou descreve a mudança como fermento em cada linha, a começar pelo próprio título. Para o leitor do Rio Grande do Sul, não pode passar despercebido que a grande expressão literária estadual também se apoia sobre esse viés: O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo (o eterno embate entre a permanência – o tempo – e a renovação – o vento).
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Quem planta, recolhe
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O texto de Fortunato Seminara, de sabor nitidamente neorrealista (o que, afinal, significa realidade em mudança), sugere esse mesmo duelo entre a estabilidade e a instabilidade. O olival, no ambiente econômico e social da agricultura, constitui uma das atividades mais perenes possíveis. É símbolo da continuidade, da conservação, da aristocracia, do status quo. Uma oliveira é explorada durante centenas de anos. Já o vento, nessa plantação, só pode sugerir inquietante ameaça no horizonte. Afinal, não se diz que, quando ele sopra, alguma coisa vem por aí ou vai por ali?
O enredo de Vento no Olival se estrutura a partir de apontamentos do protagonista (ora simplórios ou ingênuos, ora egoístas, interesseiros ou mordazes, ora revelando a gradativa tomada de consciência, a la São Bernardo, de Graciliano Ramos). É uma espécie informal de diário ou de relato memorial, feito por um fazendeiro, proprietário de um olival. Ele descreve as atividades na lavoura, as tarefas dos empregados, com seus pequenos dramas e suas resingas; descortina o ambiente doméstico, no convívio com a esposa e com os filhos; e aponta as paisagens sociais, com sua rotina e seus valores estabelecidos.
No entanto, é tempo de distúrbios e os trabalhadores, instigados por suas representações sindicais, já não se submetem à exploração, querem benefícios, lutam por melhores salários e melhores condições. Mal-entendidos, rancores, indisposições, antigas mágoas represadas vêm à tona. A rotina do fazendeiro, em meio à turbulência, na administração dos ânimos dos funcionários, em plena época de encaminhamento do novo ciclo de produção, ficará definitivamente instável quando a jovem filha de um dos seus empregados surge como ventania inesperada e transtorna seu coração. Sob o signo da agitação social e existencial, tudo nessas vidas foge ao controle e parece sugerir que nada mais poderá vir a ser e a permanecer como antes.
Descortinando temáticas comuns (passagem da vida agrária e estável a um ambiente com novas regras de trabalho) à produção neorrealista de outros países, em impulsos (de mudança) que obedeceram a uma época (a primeira metade do século XX, diante do panorama radicalmente alterado por guerras, migrações, privações e avanços tecnológicos), Fortunato Seminara soube ser único. Nascido na localidade de Maropoti, em Regio Calabria, em agosto de 1903, e falecido em maio de 1984, deixou através da escrita (como jornalista e como escritor) um retrato fascinante da maneira como viu, sentiu e intuiu seu tempo. Sua mestria foi reconhecida e enaltecida por colegas do naipe de Italo Calvino e pode ser medida em outro romance incluído na mesma Colecção Miniatura, Mulheres de Nápoles, de 1953. Na forma de expressão literária e no modo como é conduzido o enredo, associando as lidas de plantio e de amaino da agricultura ao plantar, regar e cuidar dos sentimentos, Vento no Olival é um livro do qual, concluída a leitura, saímos mudados. Para melhor. E quando mudamos, como bem sabe quem lê, o mundo à nossa volta inevitavelmente muda junto. Para melhor.
. .O enredo de Vento no Olival se estrutura a partir de apontamentos do protagonista (ora simplórios ou ingênuos, ora egoístas, interesseiros ou mordazes, ora revelando a gradativa tomada de consciência, a la São Bernardo, de Graciliano Ramos). É uma espécie informal de diário ou de relato memorial, feito por um fazendeiro, proprietário de um olival. Ele descreve as atividades na lavoura, as tarefas dos empregados, com seus pequenos dramas e suas resingas; descortina o ambiente doméstico, no convívio com a esposa e com os filhos; e aponta as paisagens sociais, com sua rotina e seus valores estabelecidos.
No entanto, é tempo de distúrbios e os trabalhadores, instigados por suas representações sindicais, já não se submetem à exploração, querem benefícios, lutam por melhores salários e melhores condições. Mal-entendidos, rancores, indisposições, antigas mágoas represadas vêm à tona. A rotina do fazendeiro, em meio à turbulência, na administração dos ânimos dos funcionários, em plena época de encaminhamento do novo ciclo de produção, ficará definitivamente instável quando a jovem filha de um dos seus empregados surge como ventania inesperada e transtorna seu coração. Sob o signo da agitação social e existencial, tudo nessas vidas foge ao controle e parece sugerir que nada mais poderá vir a ser e a permanecer como antes.
Descortinando temáticas comuns (passagem da vida agrária e estável a um ambiente com novas regras de trabalho) à produção neorrealista de outros países, em impulsos (de mudança) que obedeceram a uma época (a primeira metade do século XX, diante do panorama radicalmente alterado por guerras, migrações, privações e avanços tecnológicos), Fortunato Seminara soube ser único. Nascido na localidade de Maropoti, em Regio Calabria, em agosto de 1903, e falecido em maio de 1984, deixou através da escrita (como jornalista e como escritor) um retrato fascinante da maneira como viu, sentiu e intuiu seu tempo. Sua mestria foi reconhecida e enaltecida por colegas do naipe de Italo Calvino e pode ser medida em outro romance incluído na mesma Colecção Miniatura, Mulheres de Nápoles, de 1953. Na forma de expressão literária e no modo como é conduzido o enredo, associando as lidas de plantio e de amaino da agricultura ao plantar, regar e cuidar dos sentimentos, Vento no Olival é um livro do qual, concluída a leitura, saímos mudados. Para melhor. E quando mudamos, como bem sabe quem lê, o mundo à nossa volta inevitavelmente muda junto. Para melhor.
Para saber mais:
www.fondazioneseminara.it
www.fondazioneseminara.it
2 commenti:
“Domenico:
Aprendo tanto neste blogue.
Sendo eu professora e tendo um blogue profissional - ligado ao plano nacional de leitura - não aceitarias postar ali de vez em quando? Gostaria tanto de ver divulgados alguns destes autores aos meus alunos!
Conheces o meu mail. Diz algo, por favor. Desde já a minha Escola agradece.
Beijinhos”
Agradeço tanto!
Vou depois escrever um mail.
Obrigada!
bj
Domenico
Confesso a minha ignorância: Não conhecia o autor nem o livro.
Mas depois de ler este post, vou tentar encontrar a obra .
Obrigado por me mostrar mais um autor.
Um grande abraço
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